Recebi em meu e-mail, mensagem de um ator e produtor contrário aos
meus pontos de vista sobre dramaturgia contemporânea, também publicados neste
blog.
A mensagem se resumia a três frases, que transcrevo aqui,
literalmente:
“Enquanto se faz se vive. Uma reflexão é como um bom texto teatral. Você se tenta esconder quem faz .” (sic)
A despeito dos erros de ortografia e/ou digitação, me esforcei
para tentar compreender o pensamento dele e respondi a mensagem da forma transcrita
a seguir:
Gostaria de comentar suas observações sobre minha crítica ao
teatro contemporâneo - em particular, à dramaturgia contemporânea.
Sobre a simultaneidade do "fazer" e
o "viver" (se bem entendi o que você quis dizer), é justamente este
um dos maiores problemas que aponto no teatro contemporâneo. É muito comum que
os atores supervalorizem a sua experiência pessoal em detrimento da expectativa
do público. No palco, muitos atores dão o máximo de si (o que pode ser muito
pouco) para representarem apenas a si mesmos. É um processo que pode lhes ser
muito prazeroso, mas que é individual e íntimo: o público não compartilha
necessariamente desse orgasmo do ator. É como masturbação: quem goza é quem a
pratica. Um ou outro que assiste até pode sentir alguma excitação, mas o gozo
mesmo é do punheteiro.
Por isso, não dá pra aceitar que, via de
regra, "uma reflexão é como um bom texto teatral". Num palco, esse
tipo de reflexão, muitas vezes, não passa de uma punhetação pseudoartística ou
pseudointelectual. O bom texto teatral é de outro nível. Principalmente, porque
é o suporte básico para o ator exercitar e exibir suas competências e o seu
talento - e não as suas frustrações, angústias e neuroses.
PROFISSIONAIS OU AMADORES? Se o ator entende que seu trabalho é
interpretar a si próprio, obviamente, ele escolheu mal a profissão. Afinal, todos
nós, em nossas pobres vidas, já interpretamos a nós próprios todo o tempo, sem
que façamos disso um ofício ou profissão. Quantas vezes não “alugamos” nossos familiares
e amigos chorando nossas pitangas existenciais ou incompetências afetivas? Ou
pagamos para sermos ouvidos por nossos terapeutas? E não podemos ser
considerados, todos, atores, quando mentimos socialmente em nosso dia a dia?
Somos, certamente, atores amadores, já que não cobramos ingresso para que nos
vejam praticar nossas mentiras ou desfiar nossas lamúrias cotidianas.
A essência do exercício do ator é representar um papel, é ser quem
ele não é, é ser capaz de incorporar uma personagem e, mesmo atrás de uma
máscara ou de um nariz vermelho, ser reconhecido como falso, verdadeiro e
verossímil, ao mesmo tempo. E
isso é feito mediante um pacto mútuo, entre ator e espectador, em que o segundo
paga (nem sempre com dinheiro; essa é uma convenção simbólica) para ver o
primeiro.
A arte do ator, claro, pode ser colocada a serviço de outras
linguagens, como a Poesia. Mas, ainda assim, o ator em cena deverá estar
representando o/um poeta, não a si próprio. O texto, mais uma vez, é seu
suporte. Mesmo quando o ator é o próprio autor do poema que apresenta num palco,
ele deve – se é um ator de verdade – fazer o papel do poeta, nunca do ator que
é. Assim, se o texto é um poema, é estritamente um poema: o fato de estar na
boca de ator, num palco, não faz dele um texto dramatúrgico.
Em suma - parafraseando Pessoa - o ator é, antes de tudo, um
fingidor. E acho que o que está dito acima explica por quê.
(P.S.: Não tenho como comentar sua última frase, que não me parece
fazer qualquer sentido.)
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