quinta-feira, 18 de abril de 2013

Resposta a um comentário


Recebi em meu e-mail, mensagem de um ator e produtor contrário aos meus pontos de vista sobre dramaturgia contemporânea, também publicados neste blog.

A mensagem se resumia a três frases, que transcrevo aqui, literalmente:

“Enquanto se faz se vive. Uma reflexão é como um bom texto teatral. Você se tenta esconder quem faz .” (sic)

A despeito dos erros de ortografia e/ou digitação, me esforcei para tentar compreender o pensamento dele e respondi a mensagem da forma transcrita a seguir:

Gostaria de comentar suas observações sobre minha crítica ao teatro contemporâneo - em particular, à dramaturgia contemporânea.

Sobre a simultaneidade do "fazer" e o "viver" (se bem entendi o que você quis dizer), é justamente este um dos maiores problemas que aponto no teatro contemporâneo. É muito comum que os atores supervalorizem a sua experiência pessoal em detrimento da expectativa do público. No palco, muitos atores dão o máximo de si (o que pode ser muito pouco) para representarem apenas a si mesmos. É um processo que pode lhes ser muito prazeroso, mas que é individual e íntimo: o público não compartilha necessariamente desse orgasmo do ator. É como masturbação: quem goza é quem a pratica. Um ou outro que assiste até pode sentir alguma excitação, mas o gozo mesmo é do punheteiro. 

Por isso, não dá pra aceitar que, via de regra, "uma reflexão é como um bom texto teatral". Num palco, esse tipo de reflexão, muitas vezes, não passa de uma punhetação pseudoartística ou pseudointelectual. O bom texto teatral é de outro nível. Principalmente, porque é o suporte básico para o ator exercitar e exibir suas competências e o seu talento - e não as suas frustrações, angústias e neuroses.

PROFISSIONAIS OU AMADORES? Se o ator entende que seu trabalho é interpretar a si próprio, obviamente, ele escolheu mal a profissão. Afinal, todos nós, em nossas pobres vidas, já interpretamos a nós próprios todo o tempo, sem que façamos disso um ofício ou profissão.  Quantas vezes não “alugamos” nossos familiares e amigos chorando nossas pitangas existenciais ou incompetências afetivas? Ou pagamos para sermos ouvidos por nossos terapeutas? E não podemos ser considerados, todos, atores, quando mentimos socialmente em nosso dia a dia? Somos, certamente, atores amadores, já que não cobramos ingresso para que nos vejam praticar nossas mentiras ou desfiar nossas lamúrias cotidianas.

A essência do exercício do ator é representar um papel, é ser quem ele não é, é ser capaz de incorporar uma personagem e, mesmo atrás de uma máscara ou de um nariz vermelho, ser reconhecido como falso, verdadeiro e verossímil, ao mesmo tempo.  E isso é feito mediante um pacto mútuo, entre ator e espectador, em que o segundo paga (nem sempre com dinheiro; essa é uma convenção simbólica) para ver o primeiro.

A arte do ator, claro, pode ser colocada a serviço de outras linguagens, como a Poesia. Mas, ainda assim, o ator em cena deverá estar representando o/um poeta, não a si próprio. O texto, mais uma vez, é seu suporte. Mesmo quando o ator é o próprio autor do poema que apresenta num palco, ele deve – se é um ator de verdade – fazer o papel do poeta, nunca do ator que é. Assim, se o texto é um poema, é estritamente um poema: o fato de estar na boca de ator, num palco, não faz dele um texto dramatúrgico.

Em suma - parafraseando Pessoa - o ator é, antes de tudo, um fingidor. E acho que o que está dito acima explica por quê.

(P.S.: Não tenho como comentar sua última frase, que não me parece fazer qualquer sentido.)

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