Para reduzir os custos de seu próximo espetáculo, o produtor
não hesita: a primeira coisa que ele corta é a cabeça do dramaturgo. E são
vários os métodos aplicados nessa decapitação. Pra esclarecer melhor como a
coisa funciona, listei alguns:
1.
MONTAR CLÁSSICOS
A lógica é simples: se o texto se tornou
clássico é porque já foi escrito. Então, pra que contratar um dramaturgo? Além
disso, já dever ter sido montado e testado, o que diminui os riscos do
investimento.
2.
MONTAR AUTORES MORTOS
Mas que tenham morrido há mais de setenta
anos, prazo determinado por lei para que uma obra caia em domínio público e o
produtor não precise pagar direitos ao autor ou a seus insaciáveis herdeiros.
3.
ACUMULAR FUNÇÕES
Alguns produtores fazem, eles próprios, adaptações
de obras que desejam produzir, evitando ter que pagar pelo trabalho
profissional de um dramaturgo adaptador. Também é comum que diretores façam
isso, especialmente quando são também os produtores, acumulando, assim, três
funções primordiais em um espetáculo: dramaturgia, produção e direção.
4.
FAZER ADAPTAÇÕES LIVRES
É a forma mais comum de fugir a duas
responsabilidades: pagar direitos autorais e contratar um dramaturgo. É um dos
métodos preferidos por grupos e companhias que adotam os chamados processos
colaborativos na criação de seus espetáculos: apropriam-se de um texto
literário (ou de uma bula de remédio, dependendo do grau de contemporaneidade
da proposta), reúnem elenco, diretor, o psicanalista do diretor e mais alguém
que esteja passando pela rua na hora e cada um chora suas pitangas pra
construir um texto-manifesto individual sobre a angústia e frustrações -que já
compartilharam previamente, em suas redes sociais. Pra fazer uma suruba
intelectual-deprê-carente-afetiva dessas, quem precisa de dramaturgo? Corta
fora!
5.
FAZER ADAPTAÇÕES TRANS E INTERMÍDIA
Se bombou no YouTube ou foi sucesso na tv
ou telona, por que não levar para o palco? Afinal – como no caso dos clássicos
– o filme já foi testado com o grande público, portanto, dá pra apostar que
também será sucesso no teatro. E, se o filme (ou desenho animado, no caso do
teatro infantil) já tem cenas e diálogos prontos, mais uma vez ninguém vai contratar um
dramaturgo! Ainda mais que já vai ter que desembolsar uma grana pelos direitos
de algum roteirista ou estúdio de cinema...
6.
COMPRAR PRONTO
É mais ou menos como o método anterior: o
produtor fica sabendo de algum texto que vai bem off Broadway ou nos palcos
londrinos e decide montar aqui o que é sucesso por lá. E um sucesso no
Exterior, mesmo que ele tenha que pagar pelos direitos, já vem com um certo
valor agregado – uma espécie de certificado de qualidade
maria-vai-com-as-outras que a contratação de nenhum dramaturgo brasileiro jamais
poderia agregar. Então, compra um texto pronto e corta o dramaturgo!
7.
JUNTAR PRA FAZER
Junte a vaidade inerente a qualquer artista e
explore-a em favor da criação de um espetáculo-cabeça. Faça o elenco trazer
objetos e figurinos de casa, mande-os improvisar cenas e situações inusitadas e
sem nexo, costure tudo sem linha, cole sem cola, e apresente o produto final
como uma criação coletiva em que todo mundo se acha autor, mas ninguém assina a
autoria no cartaz da peça. Se o dramaturgo não é ator e não está disposto a
participar de processo tão lúdico e construtivo, ele que vá se danar: que forme
seu próprio grupo, que se torne produtor, contrate diretor e elenco e monte o
texto que ele, sozinho, escreveu!
Nem todo produtor, é bom que se diga, age dessa forma.
Porque há outros caminhos, para cortar custos. Alguns desses gatos pingados que
ainda contratam dramaturgos costumam, entretanto, justificar a contratação do
profissional com uma recomendação bem (in)comum:
“- Vou montar A casa de Bernarda Alba, de Lorca, e quero que você me faça uma adaptação do texto cortando de quatro a cinco personagens: meu elenco é pequeno...”
Mas aí, as cabeças que vão rolar são as de outros
profissionais: as atrizes. E o produtor – mentor intelectual do crime – apenas precisa
de um cúmplice: não de um dramaturgo.
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