aragão/teatro
ESPAÇO PARA MINHAS REFLEXÕES, CONSIDERAÇÕES E PROVOCAÇÕES SOBRE DRAMATURGIA E ARTES CÊNICAS
segunda-feira, 4 de junho de 2018
NOVA TEMPORADA
Após quatro anos sabáticos, estou ensaiando uma volta a esse palco de minhas reflexões sobre teatro e de divulgação de minhas atividades como dramaturgo e ocasional ator.
Nesse tempo, tolamente, acreditei que um certo facebook fosse suficiente para me manifestar e me expressar, compartilhar ideias e aprender com os que são sadiamente divergentes.
Mas lá é um território de ódio, intolerância e estupidez generalizada, trincheira de tantos covardes e celeiro de muita ignorância.
Aparentemente, faço uso de palavras pesadas, mas não é difícil ver que se justificam. Passem alguns momentos lá, comentando posts, e logo serão tomados, também, por algum idiota.
Minha volta a esse blog vai se dar aos poucos. Tentarei publicar alguma coisa nova com o compromisso de certa regularidade; digamos, semanalmente.
Tenho um outro blog, que criei para falar de Literatura (e um outro de Humor; outro de Artes Visuais...) e, na realidade, todos estão desatualizados por minha falta de disciplina e empenho. (O de Literatura, tem uma caveira de burro enterrada lá, que eu não consigo abrir pra postar nada!)
Mas, por aqui, devagarinho,vamos recomeçar a temporada: que toque o terceiro sinal! - e que haja público, esta noite...
domingo, 6 de abril de 2014
Júpiter, o deus galinha
Ao
retornar da guerra, o general tebano Anfitrião descobre que, durante sua
ausência, sua mulher, Alcmena, o traiu com... ele próprio! Antes dele, seu
criado Sósia, também é surpreendido ao encontrar a serviço de seu senhor um
outro criado, também chamado Sósia e que é igualzinho a si próprio! Por trás
desses inusitados acontecimentos, porém, está mais uma clássica pulada de cerca
do maior dos deuses – Júpiter (Zeus, para os gregos) – que desce ao plano mundano,
disfarçado, para seduzir mais uma mortal e gerar no ventre desta um novo semideus.
Essa
é a história de Por Júpiter! – A Tragicomédia
de Anfitrião, meu mais recente livro, que integra a coleção Os meus clássicos, da editora paulista
Berlendis e Vertecchia, destinada ao público jovem. Trata-se de uma adaptação
da clássica comédia latina de Plauto (c.225 a.C-184 a.C) que, por sua vez, já a
havia adaptado do grego.
Por Júpiter! é o primero de três títulos que devo
lançar ainda este ano, por três diferentes editoras. Ainda vêm por aí uma
adaptação em prosa narrativa que funde duas peças da chamada trilogia tebana (Édipo Rei + Édipo em Colono), de Sófocles; e uma peça musical infantil inédita,
de minha própria autoria.
Por Júpiter! – A Tragicomédia de Anfitrião
Adaptação de José Carlos Aragão (da
obra de Plauto)
Ilustrações de Luciano Tasso
Editora Berlendis & Vertecchia
104 páginas
R$42,00
Informações e Vendas: www.berlendis.com
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Estereótipos ou não?
Recomendo a leitura, a reflexão e o debate: Retratos da realidade ou estereótipos?
sábado, 4 de janeiro de 2014
Aos que vieram antes
É inevitável não pensar neles, os velhos atores e atrizes.
Onde estarão agora? Teriam se aposentado por tempo de trabalho e, por isso,
saíram de cena? Afinal, é essa a ordem natural de qualquer atividade
profissional e, no caso do Teatro, “sair de cena” não é apenas retórica: é
real.
Digo isso porque não vejo, na chamada dramaturgia
contemporânea, personagens que contemplem atores e atrizes que já passaram dos
cinquenta – ou, talvez, um pouco menos. Eu, que já estou ficando chato por
protestar contra vários clichês injustificáveis da cena contemporânea, me meto,
agora, a questionar mais esse porém: o que estão fazendo aos velhos atores e
atrizes, os dramaturgos de hoje?
A tão propalada e festejada cena contemporânea pauta-se,
quase sempre, pela construção coletiva de um texto dramatúrgico (quando há,
efetivamente, um texto dramatúrgico envolvido no processo) totalmente
conformado ao elenco que irá encená-lo. Os grupos que são adeptos desse
processo de criação, também, quase sempre, são formados por jovens atores – ou
por quem acha que encontrou o que quer fazer da vida (até que as contas e
dívidas começam a se acumular e o sujeito troca a promissora carreira de
artista por um bem mais promissor cargo no serviço público).
Jovens atores fazem jovens personagens que, como sabemos, não
passam de reflexos ampliados de si mesmos, na dramaturgia/terapia de grupo que
assola o teatro contemporâneo. Eles têm o physique
du rôle para representar, sempre, um mesmo papel: o de si próprios.
Para esses atores e atrizes, personagens não envelhecem, não
padecem de angústias ou transformações que só a maturidade pode proporcionar ao
indivíduo. E, como ainda não amadureceram e se sentem imunes à inexorável ação
do tempo, não têm ideia do que seja isso. Como aquele jovem que diz ignorar os
fatos que desencadearam a Inconfidência Mineira ou da Segunda Guerra Mundial só
porque não viveu aquela época, não era nascido ainda. Ou que (como pude
testemunhar em meu período já tardio na faculdade) não aprecia os filmes de
Chaplin porque são em preto e branco, mudos, a câmera praticamente não se move e
os efeitos especiais são “toscos”!
Assim, nessa dramaturgia feita pelo grupo e para o grupo,
não há lugar para physiques du rôle “alternativos”
ou “diferenciados”. Não importa que o
personagem seja um pai mais maduro, avô, velho guru, mentor esclerosado,
profeta caquético, cientista caduco, Matusalém, Papai Noel ou Preto Velho. É
como se, no teatro, a expectativa de vida dos personagens nunca passasse de trinta
anos! Então, se o elenco é jovem, só pode haver personagens jovens em cena – e
só eles detêm a verdade, o savoir faire,
ou conhecem a Tramontana! (Mas, na certa, nem devem conhecer essa expressão;
estão correndo agora para o Google...)
A arte é uma atividade que pode não requerer o mesmo vigor
físico exigido a quem trabalha na construção civil, mineração ou estiva. Mas
não é apenas por usar mais a voz e o coração que bíceps e tríceps, que o ator
(ou atriz) é mais longevo. É, também, porque o Teatro o conserva jovem de
espírito até seus últimos dias. O Teatro lhe proporciona vivências que o mantêm
em permanente sintonia com seu tempo e, simultaneamente, receptivo ao novo.
Atores e atrizes, em geral, tendem mais a se manter permanentemente jovens. Os
jovens atores-diretores-dramaturgos, contudo, não parecem ser capazes de identificar
essa permanente juventude numa cabeça branca ou já calva; ou de perceber que
estas ainda poderiam compartir o palco e experiências com eles por muito tempo.
Se insisto, portanto, em que a cena contemporânea está
contaminada por uma dramaturgia autoprojetiva e egoísta que hipervaloriza o
ator como seu próprio personagem - em detrimento do personagem que desafia o
ator a construí-lo e lhe dar vida – é porque tudo me faz pensar assim. Essa
eliminação sumária de personagens mais velhos, afinal, talvez reflita apenas uma
realidade cruel dos nossos tempos, em que os idosos são atropelados pela
velocidade da vida moderna, marginalizados pelas novas tecnologias e segregados,
esquecidos e desrespeitados pelas novas gerações.
Esse conflito, por si só, já daria uma peça. Afinal, se isso
acontece na vida real, também há de ter lugar num palco. Mas, que dramaturgia
contemporânea a abraçaria, se nem há physiques
du rôle entre os jovens e radicais praticantes e apologistas do teatro
físico e suas variações?
“Jovens, envelheçam!” O teatro contemporâneo talvez
necessite adotar esse sábio conselho do velho Nélson Rodrigues.
domingo, 1 de dezembro de 2013
Puf versus Pluft
Praticamente tudo o que se poderia falar mal (para o bem!)
do teatro infantil, já foi dito (ou escrito) pelo crítico e dramaturgo Dib
Carneiro Neto em seu livro Pecinha é a
vovozinha! (DBA Editora). Mas, até correndo o risco de repeti-lo em alguns
momentos, não posso deixar de fazer algumas considerações pessoais sobre o que
vejo – ou não vejo – no teatro que se faz, hoje, para nossas crianças.
O livro de Dib: considerações pertinentes e oportunas sobre teatro infantil |
De um modo geral, está evidente pra mim que a dramaturgia
para crianças padece, quase sempre, da mesma praga que, há anos, persegue a
literatura infantil: o estranho princípio de que toda criança é estúpida e
incapaz.
Assim, invariavelmente, os textos levados à cena, parecem
pressupor que nenhuma criança será capaz de entender o que não for explícito ou,
preferencialmente, pré-mastigado para ingestão – como fazem muitas aves ao
alimentarem seus filhotes.
Mas por que essa tendência – ou recorrência?
Ouso tentar encontrar respostas. Ou, no mínimo, provocar o
debate e novos questionamentos inevitáveis...
Vejo uma cruel - e talvez involuntária – participação da
escola, nesse sistema. A escola (e aqui me refiro tanto à instituição quanto a alguns
educadores isoladamente) tornou-se, com o passar dos anos, uma interlocutora ou
mediadora essencial entre Teatro e público, exigindo, de alguma forma, em
contrapartida, a instrumentalização do primeiro visando à “formação” do
segundo.
Assim, da mesma forma que a leitura obrigatória de um José
de Alencar nos meus tempos de ginásio era uma tortura para nós, crianças,
meninos e meninas de hoje são obrigados a “curtir” o tipo de teatro que a
escola lhes impõe, com fins didáticos muitas vezes questionáveis. Da mesma
forma que os autores modernos e contemporâneos de quarenta anos atrás eram persona non grata no currículo escolar,
o teatro que se faz hoje só adentra o território da escola se tiver uma linguagem
ou estética, no máximo, mariaclaramachadiana.
E é triste ver que o fantasminha Pluft, muitas vezes, ainda tem que disputar a
tapa espaço com o ursinho Puf!
Impulsionado por grandes compras governamentais, o mercado
de livros para crianças viveu um grande boom,
nas últimas décadas, no Brasil. Em um sistema similar e em menor escala, o
teatro para crianças também tem conquistado cada vez mais espaço, impulsionado
por leis de incentivo e mecanismos que favorecem uma criação e expressão
artísticas pedagogicamente engajadas ou objetivas. Aí, alguns artistas são
forçados a ceder a pressões e a fazer concessões para se manterem vivos.
É quando, inevitavelmente, são obrigados a aderir a uma
ideologia do politicamente correto que o sistema adota, privilegia e até endeusa.
É a ditadura dos finais felizes e moralizantes; da punição exemplar, inapelável
e imediata de vilões caricatos ou estereotipados (os vilões reais, bem o sabemos,
sempre podem se valer de embargos infringentes e protelatórios e outros
mecanismos que favorecem a impunidade – mas este seria um tema não adequado às
nossas crianças); do patrulhamento de personagens (você pode falar mal do
tabagismo, mas não pode ter um personagem tabagista em sua história); ou da seleção
e abordagem de temas a partir de conteúdos didaticopedagógicos desejáveis.
O sistema criou e alimenta uma cadeia perversa e altamente
danosa à formação da criança, quer seja como indivíduo, cidadão ou futuro
apreciador de Arte. O governo incentiva o teatro que é feito para ser levado à
escola; que, por sua vez, adquire o espetáculo que corresponde às expectativas ou
a uma ideologia afinada com as políticas governamentais de Educação ou de
fomento à produção artística e cultural; que leva os produtores teatrais a optar
por montar espetáculos potencialmente simpáticos aos governos e escola, de modo
a assegurar aprovação nas leis de incentivo e a venda do seu produto; etc., etc.,
etc...
A dramaturgia? Ela que se adapte, se quer sair do papel,
virar espetáculo e chegar à criança.
Que estímulo tem então o dramaturgo de ofício ou vocação, se
raramente lhe solicitam textos originais, mas, quase sempre, apenas adaptações
de best-sellers infantis ou juvenis
do momento, eternos contos de fadas clássicos, blockbusters do cinema, desenhos animados da tv ou até games? Por que ou pra que escrever
histórias afinadas com a nossa rica diversidade cultural, nosso folclore, nossa
língua, nossa História, nossos costumes e, até, nossos erros, pecados e
vergonhas, se o teatro tem sido forçado a abdicar de sua essência artística e
cultural para servir prioritariamente aos interesses pedagógicos ou ideológicos
de escola ou de governos?
Nesse cenário, é cada vez mais raro encontrar-se um
dramaturgo independente e livre; que escreva por fidelidade apenas ao seu
próprio pensamento e ao seu público final (a criança); que tenha autonomia
crítica e estilo próprio; que sirva à sua arte e não ao sistema político ou
econômico que o manieta e sustenta.
E é nessa batida que, cada vez que ouço “Puf!”, num palco,
penso logo que não é o nome de um personagem urso, mas uma onomatopeia que indica que
mais um dramaturgo saiu de cena como se por encanto – ou maldição.
(Há mais a falar sobre o tema, mas fica para posts futuros.)
terça-feira, 4 de junho de 2013
Recomendo
Pertinente análise, oportuna discussão:
http://www.primeirosinal.com.br/artigos/os-caminhos-da-improvisa%C3%A7%C3%A3o-teatral
http://www.primeirosinal.com.br/artigos/os-caminhos-da-improvisa%C3%A7%C3%A3o-teatral
terça-feira, 14 de maio de 2013
A nova dramaturgia do umbigo
Outro dia fui assistir à
leitura de dois textos dramáticos num evento sobre a produção dramatúrgica
contemporânea.
Em comum, nos dois textos
lidos, é que ambos foram escritos por atores. Mais que isso, porém, outras
similaridades foram sendo reveladas ao longo de cada leitura - não apenas por
mim, mas por vários presentes, como se pôde comprovar depois, no tradicional bate-papo
com os autores, que costuma fechar esse tipo de evento.
O primeiro texto, logo se
viu, era um conto. Um ótimo conto, mas um conto: nunca uma peça teatral. Embora
houvesse dois personagens, apenas um tinha voz e alguma ação. E todo o discurso
da personagem falante era marcado por um tom confessional e pela frontalidade
em relação à plateia. Um ator lia as rubricas que marcavam as mudanças de tempo
e de cena. O que seria a segunda personagem, entrou mudo e saiu calado, sem
dizer uma só palavra. Não havia diálogos. Não havia contracena: lateralidade
zero.
Apreciei a leitura como um
leitor lê um livro. Ou como uma criança a quem a mãe ou o pai lê histórias para
dormir. Por vezes, até fechei os olhos e preferi apenas ouvir o som do que era dito
– já que eram mesmo só rubricas intercaladas com longos solilóquios da
protagonista.
Uma fala da personagem
falante me chamou a atenção: “Eu poderia protagonizar eu mesma!”. E foi o que
fez a autora, sendo atriz e protagonista do seu próprio texto.
A segunda leitura seguiu a
mesma linha: texto confessional, só que com um tom mais memorialístico, recheado
de lembranças da infância do protagonista e com progressão temporal da
narrativa, dos tempos de menino à juventude. Havia alguns diálogos esporádicos,
mas o que prevalecia mesmo era o discurso da personagem central, suas memórias
e sua minuciosa descrição de acontecimentos passados e de personagens que são
apenas referidos na narrativa. O
protagonista masculino era o narrador e, também, todas as personagens masculinas
ocasionalmente necessárias na composição dos diálogos que ponteavam a narrativa.
Outro belo conto: não dramaturgia
– ou, pelo menos, não o que eu entendo como tal.
Tudo bem: alguém vai dizer
que minhas ideias sobre dramaturgia são conservadoras, ultrapassadas ou
caretas. Ou que eu não estou sintonizado com as novas tendências do teatro
contemporâneo. Podem até me acusar de ir
pouco ao teatro e que, por isso, não sei o que estou dizendo.
Pode ser – sei lá.
Mas fiz a opção de ser fiel a
alguns princípios e um deles é não me tornar refém de tendências, não agir nem
pensar maria-vai-com-as-outrasmente. Então, vou na lata.
DRAMATURGIA DO UMBIGO Pude observar – ou apenas confirmar
o que já detectara em outras ocasiões – que o ator que escreve, nunca escreve
para outro ator, mas, invariavelmente, escreve para si próprio. Falta-lhe o
desapego e o distanciamento que o dramaturgo não-ator tem ao escrever uma peça,
ao elaborar personagens que só poderão ser representados por atores de verdade,
com seu ecletismo, diversidade, pesquisa e entrega. Para o ator/dramaturgo é
conveniente, fácil e confortável representar a si próprio, já que conhece,
melhor que ninguém, as intenções subjetivas de sua personagem e as inflexões
mais adequadas para cada “bife” que criou para si mesmo. O ator/dramaturgo
recusa o maior desafio que só os grandes atores almejam e perseguem: a
possibilidade de representar o outro, o diferente, o oposto de si, o estranho.
Assim, é comum o ator/dramaturgo
cair na armadilha fácil de querer transpor para o palco o discurso que seria
mais adequado a outro gênero literário, como a poesia, o conto ou o romance. Ou
pior: tenta levar para a cena – para sofrimento da plateia - o discurso que
melhor caberia em uma sessão de terapia ou análise freudiana. É o que eu chamo
de “dramaturgia do umbigo”.
Muito do que eu pude perceber
durante as duas leituras ainda acabou sendo ratificado ao final, no debate com
os próprios atores/dramaturgos. Ambos relataram que o que haviam apresentado
eram, originalmente, um conto ou escritos esparsos sem fins dramatúrgicos; e
que os adaptaram ou compilaram especialmente para o evento. A autora do
primeiro texto esclareceu que nem havia propriamente personagem em sua história
original – apenas a narradora – e que criou a segunda personagem (a que eu
disse que “entrou muda e saiu calada”) para agregar um viés mais teatral ao
texto.
Já o ator/autor do segundo
texto informou que “costurou num texto só” muita coisa que havia escrito antes.
Tendo feito já algumas experiências com dramaturgia coletiva em seu grupo de
teatro, aquela era a sua primeira experiência de construção de um texto
dramatúrgico individual. Também reconheceu que aquele era um conto, não um
texto teatral.
Questionado por alguém da
plateia sobre a ausência de diálogo e contracena entre personagens, disse
sentir-se à vontade para falar diretamente ao público, numa relação de
frontalidade que considera natural e instintiva para ele e para as novas
dramaturgias.
"GRANDE PROBLEMA" Duas outras colocações do
ator/dramaturgo no debate corroboram minha postura crítica em relação a grande
parte da produção dramatúrgica contemporânea, que parece insistir em prescindir
do trabalho de um dramaturgo de ofício. Ele afirma que escreve para si mesmo e que
a maioria do que escreve, ninguém vê; e que quando é o ator que lê o que ele
próprio escreveu (para o palco) “já se elimina um grande problema”. Ou seja:
ver outro ator dando vida ao seu texto, nem pensar!
O dramaturgo de ofício, por
mais que defenda a integridade de seu texto ante diretores, produtores e
atores, sabe que seu texto não é nada sem o concurso desses outros
profissionais do teatro. O autêntico dramaturgo, nunca escreve para si mesmo,
porque sabe que seu texto não existe sem atores que o digam diante de uma
plateia. Por isso, o verdadeiro dramaturgo é movido pelo desapego, tão
necessário a uma arte de natureza intrinsecamente colaborativa como o teatro –
em oposição ao individualismo natural e característico dos demais gêneros
literários.
Por tudo isso, não hesito em
recomendar aos atores que queiram se expressar através do teatro, que o façam –
até por respeito ao seu próprio ofício de ator – essencialmente como atores. Se
querem escrever, outros gêneros literários os acolherão simultaneamente, sem
prejuízo de sua atuação em cena. Mas, se desejam escrever para teatro, publiquem
seus contos e poemas em livros; discutam seus traumas e frustrações na terapia;
procurem conhecer as regras e técnicas específicas do ofício dramatúrgico (até para
subvertê-las); reabilitem os diálogos; e – especialmente - escrevam peças para
outros atores.
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Como cortar a cabeça de um dramaturgo (e outras)
Para reduzir os custos de seu próximo espetáculo, o produtor
não hesita: a primeira coisa que ele corta é a cabeça do dramaturgo. E são
vários os métodos aplicados nessa decapitação. Pra esclarecer melhor como a
coisa funciona, listei alguns:
1.
MONTAR CLÁSSICOS
A lógica é simples: se o texto se tornou
clássico é porque já foi escrito. Então, pra que contratar um dramaturgo? Além
disso, já dever ter sido montado e testado, o que diminui os riscos do
investimento.
2.
MONTAR AUTORES MORTOS
Mas que tenham morrido há mais de setenta
anos, prazo determinado por lei para que uma obra caia em domínio público e o
produtor não precise pagar direitos ao autor ou a seus insaciáveis herdeiros.
3.
ACUMULAR FUNÇÕES
Alguns produtores fazem, eles próprios, adaptações
de obras que desejam produzir, evitando ter que pagar pelo trabalho
profissional de um dramaturgo adaptador. Também é comum que diretores façam
isso, especialmente quando são também os produtores, acumulando, assim, três
funções primordiais em um espetáculo: dramaturgia, produção e direção.
4.
FAZER ADAPTAÇÕES LIVRES
É a forma mais comum de fugir a duas
responsabilidades: pagar direitos autorais e contratar um dramaturgo. É um dos
métodos preferidos por grupos e companhias que adotam os chamados processos
colaborativos na criação de seus espetáculos: apropriam-se de um texto
literário (ou de uma bula de remédio, dependendo do grau de contemporaneidade
da proposta), reúnem elenco, diretor, o psicanalista do diretor e mais alguém
que esteja passando pela rua na hora e cada um chora suas pitangas pra
construir um texto-manifesto individual sobre a angústia e frustrações -que já
compartilharam previamente, em suas redes sociais. Pra fazer uma suruba
intelectual-deprê-carente-afetiva dessas, quem precisa de dramaturgo? Corta
fora!
5.
FAZER ADAPTAÇÕES TRANS E INTERMÍDIA
Se bombou no YouTube ou foi sucesso na tv
ou telona, por que não levar para o palco? Afinal – como no caso dos clássicos
– o filme já foi testado com o grande público, portanto, dá pra apostar que
também será sucesso no teatro. E, se o filme (ou desenho animado, no caso do
teatro infantil) já tem cenas e diálogos prontos, mais uma vez ninguém vai contratar um
dramaturgo! Ainda mais que já vai ter que desembolsar uma grana pelos direitos
de algum roteirista ou estúdio de cinema...
6.
COMPRAR PRONTO
É mais ou menos como o método anterior: o
produtor fica sabendo de algum texto que vai bem off Broadway ou nos palcos
londrinos e decide montar aqui o que é sucesso por lá. E um sucesso no
Exterior, mesmo que ele tenha que pagar pelos direitos, já vem com um certo
valor agregado – uma espécie de certificado de qualidade
maria-vai-com-as-outras que a contratação de nenhum dramaturgo brasileiro jamais
poderia agregar. Então, compra um texto pronto e corta o dramaturgo!
7.
JUNTAR PRA FAZER
Junte a vaidade inerente a qualquer artista e
explore-a em favor da criação de um espetáculo-cabeça. Faça o elenco trazer
objetos e figurinos de casa, mande-os improvisar cenas e situações inusitadas e
sem nexo, costure tudo sem linha, cole sem cola, e apresente o produto final
como uma criação coletiva em que todo mundo se acha autor, mas ninguém assina a
autoria no cartaz da peça. Se o dramaturgo não é ator e não está disposto a
participar de processo tão lúdico e construtivo, ele que vá se danar: que forme
seu próprio grupo, que se torne produtor, contrate diretor e elenco e monte o
texto que ele, sozinho, escreveu!
Nem todo produtor, é bom que se diga, age dessa forma.
Porque há outros caminhos, para cortar custos. Alguns desses gatos pingados que
ainda contratam dramaturgos costumam, entretanto, justificar a contratação do
profissional com uma recomendação bem (in)comum:
“- Vou montar A casa de Bernarda Alba, de Lorca, e quero que você me faça uma adaptação do texto cortando de quatro a cinco personagens: meu elenco é pequeno...”
Mas aí, as cabeças que vão rolar são as de outros
profissionais: as atrizes. E o produtor – mentor intelectual do crime – apenas precisa
de um cúmplice: não de um dramaturgo.
Resposta a um comentário
Recebi em meu e-mail, mensagem de um ator e produtor contrário aos
meus pontos de vista sobre dramaturgia contemporânea, também publicados neste
blog.
A mensagem se resumia a três frases, que transcrevo aqui,
literalmente:
“Enquanto se faz se vive. Uma reflexão é como um bom texto teatral. Você se tenta esconder quem faz .” (sic)
A despeito dos erros de ortografia e/ou digitação, me esforcei
para tentar compreender o pensamento dele e respondi a mensagem da forma transcrita
a seguir:
Gostaria de comentar suas observações sobre minha crítica ao
teatro contemporâneo - em particular, à dramaturgia contemporânea.
Sobre a simultaneidade do "fazer" e
o "viver" (se bem entendi o que você quis dizer), é justamente este
um dos maiores problemas que aponto no teatro contemporâneo. É muito comum que
os atores supervalorizem a sua experiência pessoal em detrimento da expectativa
do público. No palco, muitos atores dão o máximo de si (o que pode ser muito
pouco) para representarem apenas a si mesmos. É um processo que pode lhes ser
muito prazeroso, mas que é individual e íntimo: o público não compartilha
necessariamente desse orgasmo do ator. É como masturbação: quem goza é quem a
pratica. Um ou outro que assiste até pode sentir alguma excitação, mas o gozo
mesmo é do punheteiro.
Por isso, não dá pra aceitar que, via de
regra, "uma reflexão é como um bom texto teatral". Num palco, esse
tipo de reflexão, muitas vezes, não passa de uma punhetação pseudoartística ou
pseudointelectual. O bom texto teatral é de outro nível. Principalmente, porque
é o suporte básico para o ator exercitar e exibir suas competências e o seu
talento - e não as suas frustrações, angústias e neuroses.
PROFISSIONAIS OU AMADORES? Se o ator entende que seu trabalho é
interpretar a si próprio, obviamente, ele escolheu mal a profissão. Afinal, todos
nós, em nossas pobres vidas, já interpretamos a nós próprios todo o tempo, sem
que façamos disso um ofício ou profissão. Quantas vezes não “alugamos” nossos familiares
e amigos chorando nossas pitangas existenciais ou incompetências afetivas? Ou
pagamos para sermos ouvidos por nossos terapeutas? E não podemos ser
considerados, todos, atores, quando mentimos socialmente em nosso dia a dia?
Somos, certamente, atores amadores, já que não cobramos ingresso para que nos
vejam praticar nossas mentiras ou desfiar nossas lamúrias cotidianas.
A essência do exercício do ator é representar um papel, é ser quem
ele não é, é ser capaz de incorporar uma personagem e, mesmo atrás de uma
máscara ou de um nariz vermelho, ser reconhecido como falso, verdadeiro e
verossímil, ao mesmo tempo. E
isso é feito mediante um pacto mútuo, entre ator e espectador, em que o segundo
paga (nem sempre com dinheiro; essa é uma convenção simbólica) para ver o
primeiro.
A arte do ator, claro, pode ser colocada a serviço de outras
linguagens, como a Poesia. Mas, ainda assim, o ator em cena deverá estar
representando o/um poeta, não a si próprio. O texto, mais uma vez, é seu
suporte. Mesmo quando o ator é o próprio autor do poema que apresenta num palco,
ele deve – se é um ator de verdade – fazer o papel do poeta, nunca do ator que
é. Assim, se o texto é um poema, é estritamente um poema: o fato de estar na
boca de ator, num palco, não faz dele um texto dramatúrgico.
Em suma - parafraseando Pessoa - o ator é, antes de tudo, um
fingidor. E acho que o que está dito acima explica por quê.
(P.S.: Não tenho como comentar sua última frase, que não me parece
fazer qualquer sentido.)
segunda-feira, 15 de abril de 2013
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